07/02/2018

Livro: A Audácia Dessa Mulher

Título: A Audácia Dessa Mulher 
Autora: Ana Maria Machado
Editora: Alfaguara
Ano: 2011
Número de Páginas: 208
Minha Avaliação: ♥ ♥ ♥ ♥ ♥
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"Porque, senhores, como todos poderão ver em seguida quando receberem a sinopse, a fidelidade será um de nossos temas. Quer dizer, esta será uma história sobre o ciúme."

Nunca pensei que uma leitura por obrigação - e quando eu digo por obrigação, quero me referir a estudo, e não parcerias, parcerias sempre são legais -  poderia ser tão prazerosa. Quase todos os livros que li porque tinha alguma prova/atividade sobre ele para fazer, por mais legais que fossem, não foram uma leitura animada. Com A Audácia dessa Mulher, um dos livros exigidos para o Vestibular da UESB desse ano, a coisa foi diferente: não só adorei o livro como o devorei de tão interessante e prazeroso que estava sendo lê-lo!

A Audácia Dessa Mulher é um livro sobre amor e ciúme. Ambientado no final do século XX, numa Rio de Janeiro contemporânea, Ana Maria Machado nos conta a história de Bia e Virgílio, que se conhecem durante a produção de uma minissérie de época para a TV, e logo começam a manter uma relação amorosa. Os dois são um tanto quanto opostos, pois Vigílio, um arquiteto que largou a profissão para virar chefe de cozinha e dono de um restaurante, é mais velho, já tem filhos, e mais pé no chão. É também um tanto quanto ciumento. Já Bia, jornalista especialista em turismo, adora viajar, fala o que pensa e prefere um relacionamento aberto do que se subjugar a alguém. 

Os dois foram contratados pela produção da minissérie para, com as experiências que possuem em suas respectivas especialidades, ajudá-los a criar o cenário que Muniz, o autor da telenovela, procura para a minissérie ambientada no século XIX. Porém Bia e Virgílio não sabem ao certo como poderiam colaborar. O encontro, ainda assim, rende desdobramentos inesperados. Os dois se envolvem, parecem se entender muito bem, mas aos poucos a relação deles começa a ser contaminada pelo ciúme dele. 

"A opinião da Bia, para quem não leu e está curioso, é que no fundo ninguém viaja sozinho, porque a gente está sempre na companhia de autores e outros artistas, dos livros, filmes, quadros e músicas que estão sempre conosco, enfim, dos mitos culturais que povoam nossa memória."

Só que o livro não conta apenas esta história. Em paralelo, vamos saber mais sobre a vida de uma jovem que viveu em meados do século XIX através das páginas de seu caderno de receitas/diário. Virgílio empresta a Bia um antigo caderno de receitas de sua família, para que ela analisasse o conteúdo e dali tirasse algo que pudesse ser aproveitado na novela. Ao folhear o caderno, Bia nota alguns comentários da moça sobre sua própria vida nas páginas. Pelo visto, o caderno era também o diário da jovem, que relata desde sua mocidade até a sua vida de casada, do começo de seu namoro com o vizinho, até o momento em que seu casamento com ele começa a desandar, por conta do ciúme doentio do rapaz. Já vimos isso em algum lugar, não?

"(...) embora a paisagem urbana da época tenha se transformado muito, o que realmente mudou mais fomos nós, as pessoas que aqui vivemos. (...) Um homem que adora ficar na cozinha e uma mulher que gosta de viajar sozinha... Não é só uma rima. É, isso sim, um sinal dos tempos. Papeis trocados. Duas ideias impensáveis no século XIX. Uma contribuição de nosso século para a história da humanidade."

Como se não bastassem duas histórias interligadas, mas ocorridas em épocas diferentes, narradas em 3ª pessoa, e mais algumas outras coadjuvantes, Ana Maria Machado se utiliza de um recurso já bem conhecido da nossa literatura: conversar com o leitor. Quem muito fez isso em suas histórias foi ninguém menos que Machado de Assis. E a autora dialoga conosco para discutir o ofício do escritor. 

"Essas coisas que  o linguista Roman Jakobson mais tarde chamaria de função fática da linguagem, que serve apenas para manter o contato e frisar: 'sim, não adianta fingir, somos pessoas nos comunicando e sabemos disso'. (...) Mas a posterior tendência a transformar esse recurso em clichê não impediu que aqui mesmo, nesta cidade, Machado de Assis elevasse esse procedimento à categoria de obra-prima, transformando-o num dos traços mais típicos e deliciosos de seu estilo."

E essa não é a única coisa que remete ao bruxo do Cosme Velho; eu não posso falar muito senão solto um baita spoiler, mas fique desde já sabendo que Bia faz uma descoberta surpreendente, capaz de responder uma pergunta que permeia nosso meio literário há mais de um século. E eu achei isso que a autora fez maravilhoso! Além disso, o livro apresenta diversos dados históricos que enriquecem o romance, e que, além de ser um ótimo entretenimento, é uma boa fonte de aprendizado, por exemplo, sobre a escravidão no Brasil. É um livro cheio de referências, não só históricas mas também literárias, de vários escritores, como José de Alencar, Henry James, Emily Dickinson, Virginia Wolf, entre outros, os quais são citados na narrativa.

"De onde vinha a vontade de aprender? Um absurdo fazer uma pergunta dessas. Sabia dentro de si de onde vinha e era a mesma que a movia. Filha da vontade de crescer que toda criança traz no peito, ou seja, lá onde for que as vontades se aninham. Fermentada pela vontade de transgredir, que incha cada vez que alguém diz que isso não é para meninas, ela também sabia bem."

Esse livro não é mais um clichê dos romances. Retrata várias histórias de amor, em épocas diferentes, mas o seu foco não é o casal que vive feliz para sempre. E sim, como eu citei no começo, ao ciúme - que pode acabar não só com relacionamentos mas com a vida das pessoas, e também à rebeldia feminina. Todas as personagens mulheres da obra são corajosas, inteligentes, e conseguem quebrar paradigmas que desde muito tempo a mulher vem tentando desconstruir, independente da época em que nasceram. Inclusive, a própria escritora é bem audaciosa, ao adaptar uma obra marco do realismo no Brasil, sob outro ponto de vista, dentro de outra história, e saber desvendar um dos maiores mistérios literários já escritos com maestria e sem desmerecer a obra original.

"À petulância daquela menina, que teve o desplante de desafiar ordens maternas, planos familiares e a gula da Igreja por novos padres, até ganhar o namorado que seu coração escolhera. E depois de mulher feita, ainda teve a coragem de se arrancar a fórceps das próprias entranhas e nascer nova."

Esse livro é uma bela homenagem a  Machado de Assis, e à todas as mulheres que tem a coragem de fazer diferente frente à uma sociedade que adora determinar regras (pra não usar uma palavra chula aqui) e julgar aquilo que fugir do padrão. Com certeza entrou pros meus favoritos. A única coisa que já tinha lido da escritora foi um infanto-juvenil, Do Outro Mundo, que também é um livro fabuloso. No mais, A Audácia Dessa Mulher é uma também uma deliciosa história sobre a liberdade. Um livrão desses, bicho! Boa leitura!

"À audácia desta mulher, que ousa viver em campo aberto, correndo o risco da verdade. E acredita num amor latente e latejante. Implícito e vivo como um filho no ventre ou uma semente na terra."

 


3 comentários:

  1. Realmente uma história que pode chamar atenção do leitor mesmo. Os romances atuais estão cheios de "clichês" e fórmulas prontas, um que fuja desse modelo já chama atenção por si só.

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  2. Gosto de resenhas como essa.De livros já lançados há muito,muito tempo!
    Acho importante a divulgação de autores já consagrados,mas que ultimamente são pouco lidos.
    Eu por exemplo não tive a oportunidade de conhecer essa história,e fiquei bastante tentada a ler.
    Pois fala sobre o amor,ciúmes e especialmente mulheres corajosas

    Gostei!

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  3. Acho interessante essas resenhas de livros antigos já publicados mas não me interessei muito pelo livro por causa da sinopse nem pela capa mas eu gostei de ser um livro histórico e isso sempre acaba chamando minha atenção então acho que eu vou dar uma chance

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