23/07/2019

Livro: 1984

Título: 1984
Autor: George Orwell
Ano de publicação: 1949
Edição: 2009
Editora: Companhia das Letras
Número de Páginas: 416
Minha Avaliação: ♥ ♥ ♥ ♥ ♥
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"Guerra é Paz.
Liberdade é escravidão.
Ignorância é Força."

Se tem uma coisa que eu aprendi ao ler esse livro foi que jamais lerei outra distopia em minha vida com os mesmos olhos após conhecer 1984. Publicado pós-Segunda Guerra Mundial, em 1949, e escrito pelo jornalista George Orwell (pseudônimo de Eric Arthur Blair), o livro retrata o que, de acordo com a "imaginação" do autor (e com um pouco de conhecimento sobre História da humanidade e governos totalitários), teria acontecido com o mundo se, após a Segunda Grande Guerra, com os ânimos ainda aflorados entre as nações e grandes potências mundiais, acontecesse uma Terceira Guerra Mundial que pusesse fim à conjuntura geopolítica do planeta que nós conhecemos. Sob os olhos de Winston Smith, o protagonista, veremos como funciona o modo de vida - se é que podemos chamar isso de vida - e de governo existentes décadas depois da 3ª Guerra, na Londres de um país fictício chamado Oceânia.

Com o fim da Terceira Guerra, ainda mais atômica e destrutiva que a anterior, o planeta se dividiu em três grandes nações totalitárias. A Oceânia reúne a ex-Inglaterra, as ex-Américas, ex-Austrália e Nova Zelândia e parte da África. É um mundo sombrio e opressivo. Governados com mãos de ferro pelo ditador conhecido apenas pela alcunha de "Grande Irmão" (Big Brother em Inglês - é daqui que, "supostamente", veio a ideia para o reality show), a população de Oceânia sobrevive sob grande vigilância do Partido do ditador autoritário. "O Grande Irmão está de olho em você" é o slogan do governo, espalhado em cartazes pela cidade, com o rosto do ditador estampado - quarentão, um farto bigode preto e de feições agradáveis. E está de olho mesmo, afinal é para isso que foram instaladas as "teletelas" de vigilância em todos os cantos da cidade e até dentro das casas (privacidade zero no banheiro). As teletelas são uma espécie de televisão-câmera que monitora, grava e espiona a população, além de exibirem mensagens do Partido. O mais curioso é que o homem que tudo vê nunca foi visto por ninguém.

Mapa do mundo fictício de 1984 -
clique na imagem para uma melhor visualização

Voltemos a Winston. Funcionário do Departamento de Documentação do Ministério da Verdade, um dos quatro ministérios que governam Oceânia, sua função é - pasmem - falsificar registros históricos, moldando-os de acordo aos interesses do Partido. Uma prática muito comum em regimes totalitários, muito utilizada na União Soviética. As alterações eram num nível tão estratégico que, quando a Oceânia e a Eurásia (outro continente) voltavam a guerrear, todos os registros que citassem a paz entre as nações precisavam ser alterados, indicando que nunca houve na História paz entre as duas - e vice-versa, quando a paz reinava (por pouco tempo), os registros eram alterados novamente.

"Quem controla o passado, controla o futuro; quem controla o presente, controla o passado."

A opressão, física e mental, descrita na história é capaz de acabar com qualquer resquício de inocência existente no leitor (nada muito diferente da realidade, sinto muito lhe dizer): relações amorosas são proibidas, o sexo, após o casamento, serve única e exclusivamente para procriação e você só casava com quem o Partido indicasse, rações em gramas eram distribuídas para a população e reduzidas ao bel-prazer do governo (Kim Jong-un adora fazer isso na Coreia do Norte) e, claro, ser contra o sistema não era uma opção. Uma mínima demonstração de opinião que fosse considerada subversiva pelo governo - seja escrita num diário ou manifestada nas ruas - era motivo para ser preso, torturado e nunca mais ser visto novamente. 


A Polícia das Ideias era uma tirânica patrulheira do pensamento alheio. Porque, como é deixado bem claro no livro, ideias são mais perigosas que ações. Até as palavras do idioma local sofreram alterações. "Novafala", nome da língua adotada pelo regime, não apresentava novas palavras, mas sim as condensava ou removia letras e mudava sentidos, com o objetivo de restringir a formação do pensamento! A exemplo de "desbom", o antônimo "perfeito" para a palavra bom, pois não havia, segundo o Partido, necessidade de existir a palavra mau. Se algo fosse melhor que bom, não precisa do sinônimo ótimo, basta dizer "maisbom". Os pensamentos ilegais eram tidos como inexistentes, e por isso, chamados de "crimideias" (crime + ideias). A jogada era justamente considerar o pensamento ilegal tão ilegal que não havia necessidade de palavras para descreve-los, portanto não podiam existir. Na "Novafala" ainda surge o conceito de "impessoa" ou "despessoa", uma pessoa (provavelmente considerada criminosa pelo governo) que não existe mais, portanto, todo e qualquer registro dela deve ser apagado. Pode parecer loucura e ficção, mas essas práticas todas não são uma simples invenção da cabeça do escritor. Totalitários tendem a fazer o mesmo.

"O crime de pensar não implica a morte. O crime de pensar é a própria morte!"

Eu não poderia deixar de citar também um dos maiores e mais apavorantes conceitos difundidos pela "Novafala": o duplipensamento. No livro, no começo, é difícil entender a explicação dessa palavra. Mas conforme a história avança, fica impossível não entender - na verdade, pra o bem da sua sanidade, seria melhor não ter entendido. O duplipensamento consiste em ter consciência de que algo está errado e se convencer (ou ser convencido) de que está certo e ter em mente as duas ideias ao mesmo tempo. O sistema é tão tirânico quanto a isso, que conseguem incutir na mente da população e fazê-la acreditar firmemente (e desacreditar quando for o caso) em toda e qualquer mudança feita pelo Partido, por exemplo, nos registros históricos. Caso o Partido precise que o povo acredite que dois e dois é igual a cinco, eles assim o farão, mesmo que lá no âmago do seu ser você saiba que é quatro.

"Winston não conseguia se lembrar de jeito nenhum de uma época em que seu país não estivesse em guerra."

Falando em Winston, deixemos claro que ele é contra o sistema. Porém, não pode ser expor. Winston é bom no que faz, mas sempre teve algo dentro de si contra as formas de gestão nas quais vivia. Não poderia o mundo viver em paz? Não poderia a falta de alimentos ser controlada? Não poderia o casamento deixar de ser mediado pelo Partido? Mas, o máximo que Winston consegue é escrever um diário num ponto cego de seu quarto com tudo que pensa do Partido e do Grande Irmão. O livro trabalha com essa batalha interior do personagem, em decidir se se rebela contra o regime ou não. O clímax dessa decisão chega quando ele conhece Julia. E como diz um ditado histórico meio machista, mulheres são capazes de desencadear uma guerra, basta que um homem se apaixone por ela.

"Algumas vezes – disse ela – eles te ameaçam com algo; algo que você não pode suportar, não pode sequer pensar sobre. E então você diz: “Não faça isso comigo, faça isso com alguma outra pessoa, faça isso com aquele, ou com aquela.” E talvez você queira fingir, depois, que era apenas uma encenação, e que você apenas falou aquilo para fazê-los parar, que não queria realmente que ocorresse com outras pessoas. Mas isso não é verdade. Quando isso acontece, você realmente quer que ocorra com outra pessoa."

O autor é um dos poucos escritores do mundo que se transformaram em adjetivos - quando algo se assemelha aos seus escritos, é considerado "orwelliano". Viveu na época em que o socialismo ganhava força e, portanto, se considerava socialista democrático. Fato é que acabou se desencantando das utopias políticas, principalmente a soviética. "A Revolução dos Bichos" é outra distopia escrita por George Orwell que faz duras críticas à URSS, mas, principalmente, a qualquer regime totalitário, seja de esquerda ou de direita.

1984 foi concluído em 1948 e o nome traz os dois dígitos finais invertidos. Era uma forma de dizer que a distopia retratada ali não era uma ameaça distante. A obra já ganhou versões em filmes, minisséries, quadrinhos, e tradução para 65 países. E tudo que citei ainda é pouco perto da riqueza de detalhes e discussões críticas que ultrapassam eras contidas no livro. Como já ficou evidente pelos comentários que teci enquanto contei um pouco da história de 1984 (sim, foi um pouco, tem muito mais, e olha que não é um calhamaço), é um livro que te transforma e faz re-enxergar o mundo, a História, a humanidade. É como se te acordasse pra a vida real, mesmo sendo uma ficção (?). O final é tão surpreendente quanto o duplipensar pode ser: te deixa na bad e te instiga ao mesmo tempo. Boa leitura!

"Se há esperança, escreveu Winston, está nos proletas."


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