23/01/2017

Livro: Geondy - A Cicatriz de um Sentimento

Título: Geondy - A Cicatriz de um Sentimento
Autor: Ivonildo Calheira
Editora: Extra
Ano de Publicação: 2009 (2ª edição)
Número de Páginas: 124 páginas
Minha Avaliação: ♥ ♥ ♥ ♥ ♥
Skoob: Adicione

"- Desde que tomei consciência de tudo, não consegui pensar em outra coisa senão em vingança. É como uma cicatriz que não me abandona!"

Escrito em 1986 aos 18 anos do médico oftalmologista e escritor Dr. Ivonildo Calheira, nascido em Gandu-BA e morador há anos daqui de Jequié-BA, Geondy - A Cicatriz de um Sentimento nasceu em um período marcado pela repressão e violência aos direitos humanos, observado e, até certo ponto, vivido pelo próprio autor. Numa época como aquela, é até difícil de imaginar que histórias de amor poderiam surgir em meio ao ódio, deixando o leitor bastante curioso com o desenrolar dos fatos.

Tudo acontece na capital da Bahia, Salvador. Primeiro estamos em 1970, época da seleção canarinho brilhar na Copa do Mundo e garantir o título de tricampeã no México. Mas também era época de censura, repressão, tortura e protestos. Ivson é um jovem pai de família e médico do Hospital Geral do Estado da Bahia. Morava em um pequeno apartamento com a esposa Virgínia e a filha de 6 anos, Geondy - o nome, segundo a própria explica mais adiante, é formado pela palavra grega "Geo", que significa Terra, e o sufixo vem do nome de sua avó, Iracy, de origem tupi. Nomes que representam as raízes e a força de uma guerreira. A vida no hospital era atribulada e ainda não bem remunerada, mas Ivson era muito bem quisto pelos colegas e considerado um grande médico em ascensão, mesmo para a pouca idade. Com a família, apesar da modéstia, o lar era aconchegante e repleto de amor e companheirismo.

Tudo ia bem até que, certo dia, Ivson recebe um envelope com o carimbo oficial da polícia. Intimava que ele comparecesse à delegacia da polícia federal o mais rápido possível. No passado, Ivson já sofrera muito devido às suas ações quando era estudante e liderava o movimento estudantil de Salvador, em protestos contra a ditadura. Havia deixado tudo isso de lado depois que casou-se com Virgínia, mas cometeu o erro de permanecer morando na mesma cidade. No dia seguinte, ele vai até o departamento de polícia, onde é informado que seu julgamento estava marcado para poucos dias, sem maiores informações. No dia do julgamento, ele é acusado de liderar estudantes rebeldes e de assassinar três policiais, um crime que não cometeu. 

Com Ivson preso, a vida de Virgínia e sua filha começa a degringolar. Ela era dona de casa, não havia se formado professora como queria, então precisava arranjar um emprego qualquer o mais rápido para poder se sustentar. Passa por alguns anúncios dos classificados, inclusive alguns onde o "teste do sofá" era a garantia da vaga, que ela recusa. Mas nada de emprego. Para piorar sua vida, Ivson é assassinado na prisão, e ninguém sabe explicar como foi. O que aconteceu na verdade é que Ivson foi torturado para "soltar nomes", e por um erro do torturador, foi levado a óbito.

Depois de alguns perrengues, Virgínia consegue um emprego no mesmo hospital onde seu marido trabalhava, como secretária. Segue sua vida com sua filha Geondy, que com o passar dos anos e ao entender o que havia acontecido com seu pai, nutre um sentimento de vingança e quer a todo custo descobrir e provar o que aconteceu com ele. Agora com 18 anos, Geondy é uma bela moça que, como seu pai, deseja se formar em medicina. Virgínia nunca se casou novamente por ainda amar muito o marido, mas deseja que sua filha esqueça tudo e encontre um bom rapaz para que possa começar sua própria família. Porém, Geondy só tem cabeça para os estudos e para descobrir o que aconteceu com Ivson.

Durante um passeio com os amigos da faculdade, Geondy conhece Luís, apelidado de Lula. O rapaz cursava Direito e tinha jeito para liderar manifestações. Os dois acabam por se conhecerem melhor e ao final do passeio, Luís discursa para os estudantes, exclamando que precisavam lutar para garantir melhorias nas universidades e também lutar contra o sistema ditatorial, que cometia crimes bárbaros contra a pessoa humana, além da censura e da repressão à liberdade de expressão e de pensamento político.

"Todos sabem que sempre existem 'queima de arquivo', como os tiras costumam dizer. E isto precisa acabar. (...) Para o governo, subversivo é qualquer pessoa que não concorde com seus pensamentos mesquinhos de se fazer do Brasil uma ditadura eterna. Estes crimes não podem ficar impunes para sempre!" p. 61

Mas nem tudo na vida são flores. Luís lembra de onde conhece o nome de Geondy, um nome tão incomum. Essa lembrança leva a um segredo que pode por em xeque todo o romance que acaba por acontecer entre ele e Geondy, pode fazer com que ela o despreze para toda a vida. Será que o ódio e a cicatriz plantada no coração de Geondy durante anos seriam capazes de aniquilar o amor que nutrem um pelo outro quando ela descobrisse seu segredo?

O livro é pequeno, mas tão bem escrito e de uma fluidez tamanha, que você o devora rapidamente. Ivonildo Calheira sabe escrever muito bem, parabéns! Como é relatado ao final do livro, na frase do russo Anton Tchekov, "nada melhor para um escritor do que alguns anos de profissão médica". Parece que realmente ele tem razão, pelo menos no caso de Ivonildo. Agradeço a parceira, Editora Extra, por essa história maravilhosa. Para eu que gosto de um romance histórico, Geondy foi uma boa pedida. A curiosidade para saber se o amor em tempos de ditadura conseguiria vencer é tanta que eu não conseguia parar de ler. Você se sente ali, dentro dos acontecimentos, acompanhando lado a lado com os  personagens principais.

E que belo retrato histórico temos aqui, hein? Fiquei imaginando durante horas como era viver nessa época. Ao contrário de muitos adeptos atuais ao regime militar que eu vejo por aí nas redes sociais, que bradam não conhecer nenhuma pessoa mais velha - que viveu essa época - que não tenha gostado (oi?), que não tenha achado a melhor época para se viver (masoq?), que apoiam as torturas cometidas aos prisioneiros (como?), e que na maioria das vezes, eram como Ivson, inocentes, eu só conheço pessoas mais velhas que criticam os abusos da ditadura militar, que viviam com medo, censurados, não se podia opinar contra o sistema, liberdade de expressão zero, até casos de pessoas que foram torturadas. Eu não sei em que país esse povo vive, não me parece ser o mesmo Brasil... Enfim, é uma leitura que eu recomendo bastante e o livro se tornou um de meus favoritos! Boa leitura!


8 comentários:

  1. Oi Mariana, a época da ditadura foi muito triste...Uma época em que as pessoas não tinham direito algum de se expressar.
    E o legal desse livro,é que para quem não conhece essa parte vergonhosa da história ,irá entender um pouco mais como tudo ocorreu.
    E para quem conhece, é uma forma de relembrar fatos que não devem ser repetidos.
    Sou bem mais velha que você. E uma boa parte da minha infância ,vivi nesse tempo.
    Em 1986,eu tinha dez anos...😯😱😄

    Fiquei com vontade de ler o livro, e quem sabe ficar tão empolgada quanto você. ;)

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  2. Eu não gosto de 'livros de época'... em dúvida se esse ai vai conseguir me prender..

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  3. Interessante por relatar fatos do passado que, com certeza, ainda refletem hoje em dia. Parece ser uma leitura interessante.

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  4. Mariana, lendo sua resenha parecia que eu estava lendo o livro. Fiquei tensa na leitura, pensando que você falaria algo estrondoso, e aconteceu, a morte do Ivson. Realmente, dura esse regime tantas pessoas morreram sem ter feito nada, estava apenas cumprindo seu papel de bom samaritano até que algo ruim acontece.
    Fiquei curiosa em saber como acabou essa história. Se a Geondy descobre o que o Luís esconde. Se ela consegue manter um romance com o Luís caso tenha descobrido o segredo... etc.

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  5. Oii!
    Não sou habituada a livros nacionais, eu li poucos na minha vida e alguns foram horriveis então eu tenho um ceerto ''trauma'' com isso. Mas eu sempre tento deixar isso de lado e dar alguma chance a algum livro que realmente me agrade, mas infelizmente não consegui ficar instigada a ler esse mesmo após a sua resenha. Eu realmente gosto de autores que tem escrita bem fuida, mas apesar disso não consegui me interessar por esse livro :(

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  6. Eu gosto de ler livros que tratem também do tema da ditadura. Não vivi na época mas com certeza foi uma época horrível. E assim como você eu fico sem entender como que as pessoas querem aquilo de volta! Incrível!

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  7. Oi!
    Ainda não conhecia esse livro, mas achei a historia dele muito interessante, ainda mais apresentando uma parte tão importante da historia do Brasil, fiquei curiosa para poder ler pois achei diferente a forma que esse livro retrata da ditadura e fiquei curiosa para poder conhecer melhor essa historia !!

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  8. Achei muito interessante a história desse livro. Histórias que envolvem épocas tão marcantes na história sempre me agradam. Não vou mentir que quando vi o apelido do Luis já fiquei mais animada haha
    Quero saber como que vai ser essa busca pelo que aconteceu com o marido.

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